sexta-feira, 24 de junho de 2016

Ninguém morreu


Uma pequena poça começou a se formar na frente da minha casa. Liguei para a CAESB, expliquei o problema, anotei um número de protocolo, fui super bem atendido. Em menos de 2 horas, uma equipe formada por uma Kombi e quatro funcionários estava trabalhando. Ou parecia estar. Fui lá falar com os caras e eles me explicaram que o problema era na rede nova, que ainda não foi ligada.

_É um trabalho da terceirizada, a gente não pode mexer.

Os caras da CAESB foram embora. Três semanas se passaram. Anotei 5 números de protocolo. Na última segunda-feira, eu apelei:

_É o sexto número de protocolo que eu anoto. Vou reclamar na TV, no rádio, na ouvidoria, no escambau. Estou virando um foco da dengue, zika e da peste bubônica por causa de vocês(mentira, é claro)!

Uma hora e meia depois, uma equipe da CAESB estava na porta: Kombi e 4 funcionários. Talvez fossem os mesmos. Cavaram buracos no asfalto e localizaram o vazamento. Um deles fez uma cagada e logo a água jorrava forte rua abaixo.

_Não existe um registro para a rua?

_Não. Seria preciso cortar a água da península quase toda, e a pressão sobre o resto poderia comprometer todo o sistema.

Três deles mergulharam no buraco de lama e conseguiram conter o vazamento, acoplando uma mangueira num tubo de alta pressão! Usaram a água que jorrava da mangueira para tomar banho ali mesmo, na rua. Depois, pegaram fôlego e resolveram o vazamento, desta vez sem problemas. Depois de 3 horas de trabalho, se prepararam para ir embora.

_E o asfalto? – eu perguntei.

_É com outra equipe.

Passados três dias, com novo protocolo anotado, veio a nova equipe. Era um caminhão com 4 funcionários. Remendaram o asfalto em uma hora e foram embora. Não levaram os blocos de asfalto que a primeira equipe havia deixado para trás.

Resumo: um mês para consertar um pequeno vazamento numa rede que está em fase de testes há 6 anos. Custo: vinte ou mais ligações telefônicas, duas kombis com oito funcionários, um caminhão com quatro funcionários, gasolina, diesel, uma mangueira, massa asfáltica e uma piscina de água. É óbvio que alguém não está racionalizando a operação de modo a reduzir custos com deslocamento e mobilização de equipe, retrabalho, etc. O sistema também não foi bem planejado, pois não existem registros a intervalos regulares para melhor controle do fluxo e correção de problemas localizados.

Acho que isso acontece em todos os lugares do país. Felizmente, ninguém morreu.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Abelhas



Hoje tive que tirar uma “siesta” depois do almoço. A escola das crianças é do outro lado da cidade, meia hora de percurso. Tenho que acordar bem cedo e por isso, na retomada da rotina da volta às aulas, tive uma crise de soneira braba depois do almoço. O jeito foi cochilar.

Lá pelas três da tarde escuto a sirene do carro do Corpo de Bombeiros. Seis soldados do fogo com uniforme pela metade(botas, calças anti-chamas com suspensórios e camisas brancas de algodão) bateram à minha porta e pediram permissão para entrar. Eles vieram por causa das abelhas.

Sim, eu já estava esperando. Passei a manhã ligando para diferentes números em busca de ajuda para me livrar de uma grande colméia no meu quintal. As abelhas tomaram conta da minha horta suspensa, ou melhor, do ladrão de água da minha horta, que se tornou impraticável e tomada por pragas desde a chegada das abelhudas. Dei a horta como perdida e liberei a área para as abelhas, tão bonitinhas e fundamentais para a polinização da minha jabuticabeira, limoeiro e mangueira. Convivemos pacificamente com elas durante uns seis meses, mas no último final de semana as danadas invadiram a cozinha, evidenciando uma expansão territorial imperialista que deixa pessoas alérgicas, como eu, com muito medo. O jeito foi declarar guerra.

Depois de vários minutos de pesquisa, descobri na Internet que existe uma lei que impede o extermínio puro e simples das abelhas, que pode resultar em enquadramento na rigorosa legislação ambiental. Ou seja, manés como eu podem acabar em cana se resolverem tocar fogo numa colméia no fundo do quintal. Antes de fazer qualquer coisa, o cidadão deve procurar auxílio nas autoridades constituídas, blá, blá, blá, acabei ligando para os bombeiros.

Liguei para um quartel. Depois para outro. Aí me disseram que era melhor ligar para um quartel mais próximo de casa. Então liguei para o quartel mais próximo e o atendente me disse que os bombeiros realmente ajudam as pessoas a se livrar das abelhas.

_Ótimo! Vocês podem vir aqui hoje?

Não. Veja bem. Era preciso ligar para o número de emergência dos bombeiros, fornecer umas informações e só então verificar a possibilidade de agendar uma visita. Tudo bem. Liguei para o número de emergência.

_Abelhas? Mas isso não é uma emergência, meu senhor!

_Eu sei, eu sei. Mas já é o quarto bombeiro que me atende, e cada um fala uma coisa. Eu só quero me livrar das abelhas.

E aqui eu contei as história das minhas abelhas desde o início, quando vi o chumaço de abelhas protegendo a abelha rainha descer no meio do quintal lá pelo mês de agosto, um dia lindo, uma agitação e zum-zum magníficos até que as danadas se estabeleceram na abertura da jardineira e dali não saíram mais. Quer dizer, elas saem a todo instante, é uma zumbição sem fim, a jardineira virou o castelo delas e pronto.
O bombeiro da emergência ouviu tudo com a maior paciência e ainda fez umas perguntas bem detalhadas, sobre o tipo de abelhas, se eu acreditava que elas representavam algum risco, se elas eram agressivas, se eram africanizadas, se haviam provocado alguma dano.

Eu disse que sim, é claro. As abelhas eram africanizadas do tipo Europa, com ferrão e tudo, que bastava chegar perto que um monte delas começava a sair da colméia zumbindo zumbidos agressivos, com más intenções, que nem o cachorro chegava perto da colméia, que a minha vizinha já tinha reclamado das abelhas, que o neto da minha vizinha tinha reclamado das abelhas e que meus filhos e os amigos dos meus filhos já tinham reclamado das abelhas e, principalmente, que a minha mulher já estava porraqui com as abelhas e também já tinha reclamado, quando é que vocês podem vir?

_Vai depender do número de ocorrências. Pode ser amanhã, ou depois. Ou, se for um dia tranqüilo, ainda hoje.

Então, até as três da tarde os bombeiros tiveram um dia tranqüilo e foram até a minha casa para a vistoria. Seis bombeiros. Um carro de combate ao fogo com escada telescópica. Sirene. Fiquei grato, é claro. Mas ao mesmo tempo eu pensei, pô, tudo isto por causa de umas abelhinhas?

Os caras são profissionais, por isso se dividiram em dois grupos no quintal da minha casa. Três ficaram brincando com o meu cachorro shi-tzu e os outros três foram vistoriar a colméia. O bombeiro mais graduado, que também era o mais baixinho, limpou a garganta e e fez o relatório.

_Olha, essa está bem fácil de pegar!

_Hum-hum – eu disse, como se dissesse que não estava familiarizado com o jargão.

_É que em casos assim é melhor não matar as abelhas.

_Ótimo! Vocês vão remover as abelhas. Que bom, eu já estava com remorso.

_Não, não. Nós não removemos abelhas. Nós combatemos. Em caso de extrema necessidade, nós apresentamos uma lista de produtos e só então, com o material em mãos, nós voltamos até a casa do indivíduo no final da tarde, ou no início da noite, e com o aparato completo é que o efetivo entra em combate.

_Hum-hum – eu disse, já com uns dois por cento a mais de familiarização com o jargão.

_Mas no caso dessa residência, o melhor é evitar o combate. E nós temos uma senhora que é ótima, ela recolhe uma colméia dessas rapidinho e cobra só a gasolina. Que tal?

_Ótimo!

O bombeiro graduado fez a intermediação, combinei com a caçadora de abelhas e amanhã mesmo ela vem retirar a colméia. Esperei os bravos soldados do fogo terminarem de brincar com o shi-tzu e depois os escoltei até o gigantesco carro de combate a incêndios. Na rua, vizinhos observaram com grande interesse a movimentação, incluindo a vizinha que já reclamara das abelhas. E o neto dela também. Acenei em agradecimento aos bravos combatentes e entrei em casa sem dizer uma só palavra. Na cozinha, pousada sobre a bancada, encontrei uma abelha perdida, zumbindo feito uma doida. Fritei a bandida com uma superraquetada elétrica. Rá. Depois fiquei pensando que os bombeiros têm uma vida meio estranha. Vivem de combater o fogo. Mas quando se trata de abelhas, o negócio deles é queimar.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Tim Maia

Durante muito tempo ouvi dizer que só é possível escrever se você possui um bom motivo. Existem, é claro, bilhões de bons motivos por aí, e você só precisa de um deles - um bonzinho, nem precisa ser excelente - para por mãos à obra. Poderia ser por vaidade. Pelo desejo de ser amado. Pela vontade de ser lembrado. Por dinheiro. Pelo desafio. Uma aposta. Para impressionar uma pessoa. Para passar o tempo. Agradar ou desagradar alguém. Um presente. Uma piada. Uma chacota. Qualquer coisa.

Sim, descobri que não basta ter um motivo na cabeça. É preciso tê-lo pulsando no coração, é lógico. Também é preciso por mãos-à-obra, ter disciplina e um mínimo de dedicação diária. Mas o principal é o motivo. Por isso, confesso que fiquei um pouco surpreso quando percebi, logo após o início deste ano, que eu não conseguia mais encontrar nenhum motivo para escrever. As coisas que eu escrevia acabava apagando porque estavam carregadas de pessimismo e amargura, coisas que eu não queria e não quero deixar estampados no Caminho do Careca.

Poxa, tanta coisa acontecendo. O país em frangalhos. Os políticos aprontando. A turma de sempre e a turma mais nova roubando pra dedéu, e eu aqui, perdido num tremendo drama, sem encontrar nenhum motivo para sentar e escrever uma poucas linhas no blog, diariamente, como fiz durante tantos anos para mim e para minha querida kombi de leitores.

Tentei, com muito esforço, voltar a falar com entusiasmo e bom humor sobre as pequenas coisas que acontecem na minha vida e da minha família. Afinal, este blog sempre celebrou o impacto do que é irrelevante, o valor do que é perfeitamente descartável, a memória do que é efêmero. Mas a verdade é que um clima de sombreamento e melancolia acabou por me envolver e passei a considerar tudo, até mesmo o que é desimportante e pouco digno de nota, como algo que deveria ficar mesmo sem registro algum.

Sei que estou completamente errado, que é exatamente sobre as miseráveis e mínimas desventuras do cotidiano que devo me debruçar e escarafunchar até encontrar uma centelha de sentido, uma faísca cintilante de vida, mas, confesso, tenho sido burro demais para procurar nos lugares certos, só tenho achado coisas desesperadas e com um baixo astral da porra.

Por isso, depois de muito pensar e enrolar pacas, resolvi que vou escrever apenas quando der na veneta, ainda que não tenha nenhum motivo. O que me levou àquela música do Tim Maia. Que, por sua vez, me levou a uma rápida pesquisa na Internet que me fez descobrir que os 10 primeiros álbuns do Tim Maia se chamam "Tim Maia".

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Uma nova mesa

A seca chegou e finalmente comecei a construir uma nova mesa com a madeira doada pelo meu irmão. Ele possuía em casa um eucalipto que teve que ser cortado. A velha árvore de mais de 10 metros de altura foi atingida por um raio há muito tempo e depois se transformou num imenso espantalho com galhos enormes secos. Para piorar, as raízes passaram a abrigar um enorme cupinzeiro. De toda a madeira, restaram aproveitáveis algumas grandes pranchas de três metrosX50cm cada. Ganhei três delas, que ficaram curtindo na minha garagem durante os últimos dois anos. Agora estão bem secas e, teoricamente, mais fáceis de trabalhar.

O único problema é que não possuo ferramentas elétricas adequadas para fazer o trabalho rapidamente. Cada prancha possui de 8 a 13 cm de espessura o que impossibilita o uso de uma serra circular. Seria preciso usar uma serra de sabre ou mesmo uma motoserra para desbastar a casca e acertar as laterais para uniformizar as medidas. Descartei a aquisição de novas ferramentas porque não teria outro uso para uma serra sabre e existe uma longa burocracia para aquisição de motoserra. Para quem não sabe, é preciso uma autorização do IBAMA para se possuir uma motoserra. Sem ela, o cidadão está sujeito a multa e apreensão do equipamento, sem falar na possibilidade de ser enquadrado num crime ambiental qualquer a gosto do fiscal de plantão.

Assim, minha única alternativa é usar bons serrotes manuais com o apoio da minha modesta plaina elétrica de 450W para uniformizar a espessura. Nesta semana iniciei os trabalhos com um serrote de 20 polegadas. Com uma hora de trabalho e apenas 20 centímetros de progresso percebi que ainda vou penar um bocado para conseguir transformar as pranchas em tábuas de mesa. Para disfarçar a minha preguiça, decidi aproveitar as bordas naturais de duas pranchas. Desse modo, ao invés de 6 bordas retas, vou precisar serrar "apenas" 4. A vinte centímetros por hora , terminarei a serragem, se tiver sorte, no final deste mês. Em seguida passarei para a plaina. A coisa fica mais complicada porque a capacidade da plaina é bem reduzida e não consegui grande progresso depois de uma hora de trabalho. Cada passagem alcança meio milímetro de uma faixa de apenas oito centímetros de largura, com muito ruído.

Além do protetor contra ruídos, o trabalho com a plaina exige o uso de máscara e a interrupção de tudo a intervalos de 10 minutos. A máquina aquece muito e gera muita serragem e pó. Para resumir, não estou conseguindo avançar como gostaria e às vezes acho que estou com um projeto literalmente acima das minhas forças: cada prancha pesa cerca de 60 quilos. Como tive que mover tudo sozinho, sem ajuda, foi preciso fazer malabarismos com cordas, rodas e apoios diversos apenas para colocar a prancha em local que possibilitasse o uso do serrote. Escolhi a área que fica sob a pérgula, já que é ventilado e não incomoda muito nenhum dos vizinhos. Entretanto, a pérgula não é coberta, e o medo das chuvas isoladas e intermitentes desta época do ano já me fez parar tudo para cobrir as pranchas rapidamente, da maneira mais protegida possível. Seja como for, estou animado e acho que vou conseguir terminar a mesa(90X300)até setembro. Torçam por mim.


sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Duas palavrinhas

Em casa somos todos muito bem educados. Mas na casa dos outros somos muito mais. Digo isto porque reparei que nós costumamos usar com muito mais frequência as expressões cotidianas de gentileza e boa educação, inclusive à mesa, quando estamos fora do lar. O garçom se aproxima e dizemos "por favor", agradecemos com um polidíssimo "muito obrigado". O flanelinha chega para vigiar o carro, cheio de doutor isso e doutor aquilo, e eu digo "pode vigiar, sim, senhor". No supermercado, dizemos para a senhora no caixa que é a crédito "sim, senhora, parcelado em três vezes, por favor". Na padaria, também, até nas filas dizemos por obséquio, por gentileza, senhor isso, senhora aquilo, e outras frases bem formais e elegantes, como se quiséssemos deixar bem claro o tempo todo que somos pessoas de bem e não representamos perigo para a pessoa que nos cerca.

Mas em casa, apesar da boa educação, não queremos perder tempo com firulas e frescuragens, então dizemos "passa aí as batatas". Ou então não dizemos nada e só apontamos para as batatas, ou pior ainda, só olhamos fixamente para a vasilha e o familiar que está mais próximo trata logo de passar as fritas. Essa maravilhosa adivinhação de desejos, aliás, é a forma mais comum de telepatia familiar.

_Não, senhor. A partir de hoje, acabou-se. Não custa nada ser gentil, amigável e bem-educado. Para qualquer coisa agora, se eu não escutar as duas palavrinhas mágicas, nada de batatas - disse a minha mulher.

_Passa o suco, please - disse o meu filho.

_Não vale inglês, francês e espanhol. Tem que dizer as duas palavrinhas mágicas em português. Estou falando sério - ela disse.

_Por favor? - disse o meu filho.

_Viu? Não doeu nada.

Então estamos todos os quatro à mesa, colocando a conversa em dia dos primeiros dias da volta às aulas. Os assuntos vão se sucedendo rapidamente, especialmente o longo debate sobre o melhor lugar para ficar na hora de sair da escola e as vantagens econômicas e recreativas de se levar o lanche de casa.

_Você gasta menos e não perde tempo do recreio na fila da lanchonete. Além disso, você se livra dos bicões de fila, que sempre pedem um taco ou ficam secando o lanche alheio. E o olho gordo de bicão de fila ninguém merece. Pode reparar que tem um bicão por perto toda vez que um salgadinho, um refri, ou mesmo um copo de suco escorregar da mão de alguém. Passa aí, as batatas.

_Duas palavrinhas - disse a minha mulher.

_Passa, agora - eu disse.

_Engraçadinho.

_A regra vale para todo mundo, paiê.

_Eu sei, eu sei.

Frase do dia